O Tribunal de Contas da União (TCU) está investigando um escândalo de desvio de recursos públicos que envolve o Conselho Federal de Odontologia (CFO). Segundo denúncia apresentada ao órgão, cerca de R$ 40 milhões teriam sido desviados da autarquia entre 2021 e 2022, por meio de repasses à empresa Solstic Capital — que, segundo as investigações, operava um esquema de pirâmide financeira.
O caso envolve diretores e ex-diretores do CFO, incluindo o atual presidente, Cláudio Yukio Miyake, que à época ocupava o cargo de secretário-geral. A denúncia afirma que Miyake teria atuado como “operador financeiro da estrutura empresarial que recebeu os aportes”, sendo apontado como possível articulador do investimento com recursos públicos.
A Solstic Capital era controlada por Flávio Batel, empresário morto em novembro de 2024 em circunstâncias ainda não esclarecidas. Segundo a denúncia, Batel teria se aproximado de membros do CFO com ajuda do empresário Carlos Alberto Kubota, sócio de Miyake em uma entidade privada. Em seguida, Batel e Kubota criaram uma empresa na área da saúde, levantando suspeitas de que a operação teria servido para evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
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Renúncias e suspeitas
Pouco após a morte de Batel, o então presidente do CFO, Juliano do Vale, e o tesoureiro, Luiz Evaristo Volpato, renunciaram aos cargos, dias antes de assumirem novo mandato. A denúncia sugere que a renúncia repentina tenha ligação com o conhecimento prévio da gravidade dos fatos.
Com a saída de ambos, Miyake assumiu a presidência da entidade. A atual gestão afirma que o caso foi herdado da administração anterior e que medidas já foram tomadas, incluindo auditorias internas, ajuizamento de ação de cobrança na Justiça Federal e apresentação de notícia-crime ao Ministério Público Federal (MPF).
Empresa não era habilitada para investimentos
Relatórios da auditoria contratada pelo CFO confirmaram que a Solstic não possuía autorização do Banco Central ou da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para operar investimentos. A empresa, originalmente, atuava na montagem de cadeiras de escritório e não tinha qualquer lastro financeiro no sistema regulado.
A nota emitida pela atual gestão do CFO aponta que os valores foram transferidos entre julho e outubro de 2021, com a promessa de aplicação via o banco BTG Pactual, o que nunca ocorreu. Apenas R$ 8,6 milhões foram devolvidos pela Solstic, que ainda reconheceu dívida superior a R$ 37 milhões com o Conselho.
Crimes sob apuração
A denúncia ao TCU pede o afastamento imediato de dirigentes envolvidos e a apuração de crimes como peculato, estelionato, advocacia administrativa, tráfico de influência, organização criminosa, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, prevaricação e desobediência a ordem judicial.
O caso revela um nível alarmante de fragilidade nos mecanismos de controle e governança de entidades públicas que lidam com recursos vultosos, provenientes de contribuições obrigatórias de milhares de profissionais — no caso do CFO, mais de 690 mil inscritos, incluindo 382 mil cirurgiões-dentistas.
Além de cobrar a apuração rigorosa dos fatos, é urgente repensar a estrutura institucional e legal dos conselhos profissionais. A ausência de fiscalização efetiva, a fragilidade dos processos decisórios e a permissividade quanto à gestão financeira abrem brechas para práticas criminosas que comprometem o papel público dessas entidades.
Fonte: As informações desta matéria foram originalmente publicadas pela coluna de Paulo Cappelli e Petrônio Viana no portal Metrópoles, em 14 de maio de 2025.