[*] Sonia Meire de Jesus
Marielle Franco, uma mulher, negra, 38 anos, feminista e defensora dos direitos humanos, se apresentava como “cria da favela”, foi executada com pelo menos quatro tiros na cabeça. Juntamente com ela, também foi executado o motorista Anderson Pedro Gomes, um trabalhador que dirigia o veículo quando retornavam de um debate ocorrido na Lapa, intitulado “Jovens negras movendo as estruturas”.
O que diferencia essa provável execução do que vem ocorrendo historicamente contra a população feminina, jovem e negra que vive nas periferias das cidades ou no meio rural brasileiro? Sem medo de arriscar e pelas características do crime, esse foi mais um crime político que não pode ser traduzido como algo comum sem relações com a força econômica do capital e o poder silencioso do Estado.
Vivemos hoje um estado de exceção, com as liberdades democráticas completamente ameaçadas, mesmo considerando que a democracia burguesa só oferece uma “democracia mínima”, quando interessa manter a governabilidade de grupos protegidos do capital, pois nunca vivemos um estado de ampla democracia.
Por isso, fazer uma luta contra as forças do Estado em uma conjuntura em que os direitos estão sendo retirados e sonegados e que a garantia da ordem de um estado sem direito só pode ser entregue à força, e esse é o papel da intervenção militar no Rio, por exemplo, não é algo que seja tratado dentro dos limites da normalidade.
Um estado interventor quebra todo e qualquer direito constitucional e deixa o caminho aberto para o crime organizado e paraestatal assumir o controle da ordem. Para isso, necessário se faz eliminar todas as vozes que se posicionam contra o sistema, como sempre foi. Isso desde o início da colonização.
Neste caso específico da Marielle Franco, há uma urgência em relocalizar a participação da mulher que, conforme o sistema, já foi longe demais. Não é à toa que grupos fascistas, machistas e liberais conservadores estão comemorando em algumas redes sociais o assassinato das mulheres e, em especial, esse da nossa Marielle.
Outros estão se reafirmando na política, alojados nos seus podres-poderes de que haverá uma investigação profunda do caso, inclusive com a participação dos militares que hoje retiram o próprio poder da Polícia do Estado. Como investigações podem ir à fundo, se as mortes têm uma relação direta com o enfrentamento que as vítimas têm feito contra o próprio Estado e suas forças financiadoras dessa própria política?
Marielle Franco foi executada em um estado que tem seguido à política de retirada de direitos de uma maneira nunca visto antes, de envolvimento nos maiores casos de corrupção, de organização das UPPs que nada pacificaram os morros. Ao contrário, fizeram uma maquiagem da realidade para estrangeiro ver e sitiou seus moradores.
Esse tipo de Estado faz aliança com os grandes interesses privados e corporações para garantir a migração dos comandos para lugares diferentes e continuar regulando e sendo regulado por esse poder paralelo. Basta que observamos os sumiços dos Amarildos, o investimento no mercado de armas e de uma política militar que elimina os trabalhadores e trabalhadoras, criminalizando a pobreza e os tornando algozes do próprio sistema.
São vistos pelo número do extermínio dessa população nas últimas pesquisas. Há de se perguntar: quanto o Estado investe na Força Nacional? Quanto se investiu nas UPPs? Quanto se investe agora na intervenção militar? Para onde vai esse investimento? Para a indústria de armas e tecnologias de controle, para uma rede de capitalistas de grande porte, liderado internacionalmente pelo império norte-americano. A execução de Marielle tem a ver com a denúncia contra esses interesses.
A população jovem e negra, os índios, os povos tradicionais têm sido exterminado pelo estado brasileiro desde sempre. Excluídos de qualquer condição de vida, expulsos de seus territórios, explorados em campos de extração de minérios e de nossos bens, invisibilizados pelo desemprego estrutural ou pela relação capital-trabalho que lhes submetem a níveis de exploração similares ao regime da escravidão.
Tem voz, mas não tem escuta. Foi por isso que Marielle foi executada, pois mulher negra não poderia jamais enfrentar os poderes constituídos. Ainda que estivesse ocupando um espaço de poder. Este não foi feito para invisíveis.
Por essas razões históricas e pela necessidade de transformação real da barbárie ao qual estamos condenados sem acesso à saúde, educação, trabalho e moradia de qualidade é que a nossa luta não pode parar. Mais do que ontem e para ser maior no amanhã, é imperiosa a unidade da classe trabalhadora para enfrentar a força do capital e do seu aparato estatal, nas ruas.
Por tudo isso, devemos exigir uma investigação profunda do crime político que eliminou a vida de Marielle Franco. Lutar junto à Anistia Internacional para atuar no acompanhamento desse crime para punir os criminosos e seus mandantes, é o mínimo que podemos exigir em um estado de exceção após um golpe institucional.
[*] É presidente do Diretório Municipal do PSOL Aracaju, professora da UFS e pré-candidata a senadora pelo PSOL.